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quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Cuba que eu vivi, parte quatro

Ao deixar Havana, procurando esquecer as agruras que se escondem além da fronteira dos hotéis cinco estrelas, embarcamos num moderno veículo Audi cujo interior estava no maior bagaço. O sorriso do motorista, um jovem rapaz pós-graduado em história, logo nos fez esquecer as péssimas condições do automóvel. No trajeto para a paradisíaca Varadero, região que mantém paralelo com qualquer um dos oásis capitalistas estilo sol, mar azul, coqueiros, bebida farta e música ao vivo, o distinto cubano narrou histórias interessantes.

Mostrou-nos, por exemplo, um complexo escolar, localizado a 60 milhas da capital, que servia para catequizar adolescentes, em rígida disciplina comunista, e que foi adaptado para receber crianças vítimas do desastre atômico de Chernobil. Com expressão triste, confessou que o mundo jamais saberá dos detalhes, e do rol de sofrimento, dos que conviveram na marra com os sobreviventes da catástrofe. Foi ali, desabafou ele, que a extinta União Soviética jogou seres humanos como se fossem trapos sujos.

O Hotel que hospedamos, o Paradiso Varadero, se ergue imponente numa invejável estrutura. Possui cinco restaurantes temáticos, várias piscinas, quartos espaçosos, as praias são de areia límpida em mar cristalino. Em vários locais existem quiosques que servem vários tipos de drinques, água de coco e delícias da culinária internacional. Os funcionários fazem de tudo para agradar os turistas. Qualquer reclamação, nomeando o responsável pelo erro, pode significar um inimaginável rosário de amarguras.

Aos que apenas desejam curtir a vida, sem fuçar realidades que incomodam, o lugar é um irretocável Edém. Tem ares de que não falta nada. Até parece que foi neste mar calmo, de brisa suave, que a esquerda raivosa do PT criou o slogan “sem medo de ser feliz.” Seria uma benção ignorar o que se passa com os empregados e a aflição nas cidades cujos moradores jamais podem usufruir do circuito de luxo. Mas eu dei na telha de bisbilhotar e narro no próximo artigo.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Cuba que eu vivi, parte três

Ao perceber que aceitamos o convite para enxergar as frestas do “ponto zero” -- quadrilátero em que vive nababescamente Fidel Castro e a dinastia dos czares do comunismo versão ilha – o culto motorista percebeu que era para valer a nossa proposta de registrar as nuances da verdadeira Havana. Fotos são proibidas mesmo!! Enfatizou ele. Claro que estávamos dispostos a obedecer. No trajeto ele nos contou os horrores das prisões, local em que ainda mofam os dissidentes de um regime falido e ditatorial.

Nos arredores do famoso e inescrutável local, residências luxuosas realizam uma valsa de contrastes com as decadentes condições em que sobrevivem o grosso da população. São mansões que abrigam as embaixadas, casas de atores famosos, escritores protegidos pelo sistema, alguns poucos atletas consagrados, dirigentes da alta roda e cantores de sucesso. As avenidas são bem cuidadas, os veículos são novos e percebe-se nitidamente que ninguém por ali esconde que a região abriga uma casta.

Nas proximidades do “ponto zero” proliferam placas, como se fossem sinais de trânsito normal, deixando objetivamente claro as restrições de fotografia e filmagens. Por se tratar de uma área muito extensa, sequer dá para ter uma ideia qualquer de como vivem os ditadores e seus familiares. Os bosques são preservados a esmero e sobram militares com olhar atento. Na segunda vez em que demos a volta no extenso quarteirão, e mesmo que tivéssemos um proibidíssimo binóculo não enxergaríamos nenhum detalhe, um veículo militar passou a nos seguir. Prudentemente, e conhecendo os riscos, o guia acelerou para um local adequado aos turistas.

No trajeto explicou que os segredos que envolvem o cotidiano de Fidel e Raul Castro são mais protegidos do que as alcovas da Casa Branca. A comunidade mais atenta sabe que fornecedores de alto luxo, capazes de importar vinhos de safra nobre, perfumes franceses, cosméticos, especiarias da culinária internacional e outros mimos, garantem um fornecimento privilegiado, com a desculpa de atender os chefes estrangeiros que se deleitam nas visitas oficiais.

Os irmãos ditadores não se furtam em receber um tratamento facial anti-rugas, famoso por amenizar as linhas de expressão do rosto e uma massagem profunda, à base de rum, que combina uma série de manipulações específicas para o desbloqueio da tensão muscular. Como ele sabe disso? Em diferentes ocasiões, especialistas tiveram que cancelar pacientes nos SPAs, alguns já na mesa de atendimento, para atender os dirigentes.

Enquanto isso, nos confessou mais tarde uma médica do elegante YHI de Varadero, nem todos os diabéticos cubanos se dão ao luxo de receber o medicamento necessário. Faltam remédios básicos em todas as áreas cruciais. É triste aceitar a realidade, confessou com resignação, que a mito da medicina qualificada é apenas isso. Um mito capaz de atender os estrangeiros, para efeito de publicidade entre os poucos que ainda acreditam na falácia do comunismo.

Voltando ao taxista, ele nos levou em seguida a um maravilhoso conjunto de residências, fruto do artista do mosaico José Fuster, que dedicou 18 anos moldando sua casa com azulejos, num festival de cores e arranjos incríveis. Uma prova da criatividade, da alegria e do viés artístico de um povo que não se deixou abater pela tirania. Logo depois, nos conduziu a insossa praça, obrigatória no circuito turístico tradicional, que abriga um gigantesco neon com a silhueta de Che Guevara e Fidel Castro, local em que o ditador realizou discursos de até seis horas de duração. No dia seguinte embarcamos cedo para Paradisus Varedoro. Fantástico, depois eu conto...

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Cuba que eu vivi, parte dois.

Meu primeiro artigo com impressões sobre a ilha de Cuba, versão ditadura Raul Castro, encontra-se disponível na internet no site dm.com.br, basta pesquisar utilizando meu nome. Em resumo, narrei as peripécias da viagem área, a agonia das cabines de imigração e as sofríveis condições na entrega das malas num aeroporto internacional capenga. Parei justamente no ponto em que um taxista cubano, profissional e agradável, nos conduzia por avenidas largas, limpas, no civilizado trânsito da capital Havana, em direção ao charmoso cinco estrelas Meliá, localizado na orla marítima.

O estabelecimento é um luxo encravado numa cidade que se amofina nos escombros. Tombada como Patrimônio da Humanidade, a capital se atola em ruínas. Os edifícios são apenas esqueletos de edificações primorosas, que ainda conservam aqui e acolá, a imponência arquitetônica que desaba sem nenhum socorro. Sair do hotel é ingressar no túnel de uma chocante realidade. Nada combina com as piscinas bem cuidadas, os restaurantes luxuosos e os mimos disponíveis.

A procura de um simples cartão de memória de uma máquina fotográfica, que por descuido deixei no Brasil, nos levou ao submundo de um shopping center miserável, apontado como o que existe de melhor na região. Os produtos são tão medianos e escassos que até no sertão do Piauí existe coisa melhor. Só depois de muita procura o zeloso condutor de um “Coco”, misto de moto-táxi com orelhão, conseguiu nos levar a um mocó que vendia a prosaica engenhoca à surdina. Custou uma fortuna.

Logo depois nos aventuramos a conhecer um restaurante “Sabor”, igual a dezenas de outros recentemente liberados para atuar em moldes da iniciativa privada capitalista. Foi uma delícia perceber a alegria dos “neodonos” cubanos, envolvidos na difícil tarefa de agradar sem ter condições adequadas para tal empreitada. Tudo muito simples, rústico e tosco nos detalhes. O prazer de servir foi tão sensível, que nos fez esquecer a comida sofrível, os talheres improvisados e a falta de temperos.

Ciente de que pretendíamos conhecer a verdadeira Havana, e não somente a farsa vendida aos turistas ou para o deleite dos hipócritas da esquerda raivosa brasileira - essa que participa do festim de Fidel Castro e Cia Ltda -, o inteligente motorista nos mostrou com prazer o lodo em que sobrevivem os filhos da tirania.

No interior dos edifícios, caindo aos pedaços, famílias inteiras, muitas sem nenhuma afinidade, sobrevivem em moldes de favela em que falta tudo. Há escassez de comida, roupas, condições de higiene e esperança. Ninguém mais acredita no viés comunista e fala isso claramente.

Não são tristes como era de se esperar. Conservam uma indecifrável ventura interna. Chega a ser contagiante a alegria de conseguir revelar a penúria sem o risco de serem presos. Com um sorriso largo, Luís desabafou: “Hoje não teria cadeia para colocar todo mundo”.

O leitor não pode ter a falsa impressão de que não foi divertido. Valeu a pena. As incursões pelo submundo de Havana revelaram facetas inacreditáveis. Os carrões antigos, no mais valioso museu automobilístico a céu aberto do planeta, são algo fantástico. Os orgulhosos proprietários adoram tirar fotografias e são de uma cortesia gratificante.

Depois dessas experiências, o guia improvisado nos indagou se topávamos esquadrinhar os arredores do “ponto zero”. Uma área delimitada em cujo epicentro, num dos mais bem guardados segredos do país, residem nababescamente os irmãos ditadores. Contudo, essa é uma história para o próximo artigo.

Rosenwal Ferreira é Jornalista e Publicitário.

E-mail: rosenwal@terra.com.br

Twitter: @rosenwalf

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Cuba que eu vivi. Parte um.

No auge da cachoeira de investimentos que jorravam da extinta União Soviética, eu visitei Cuba e não encontrei nenhuma maravilha digna de registro. Ainda no cueiro da atividade jornalística, tive que engolir calado observações de escritores como Fernando de Morais (autor do livro a “Ilha”), que enxergou prodígios admiráveis. Cheguei até a pensar que tinha alguma coisa errada comigo. Talvez uma demência causada por leitura excessiva da Reader´s Digest ou alguma lavagem cerebral a distância realizada pela CIA. Como as patrulhas ideológicas realizavam fogueiras de inquisição nas redações, guardei as péssimas impressões como acervo pessoal.

Recentemente decidi que já era tempo de retornar aos domínios de Fidel Castro e conferir os avanços do comunismo. Confesso que fui contagiado pelo jovem comunista goiano Bruno Pena que, ao ser entrevistado no meu programa de TV, afirmou convicto que eu estava enganado e que Cuba era, hoje, referência em qualidade de vida. Se pudesse estaria residindo lá, arrematou com um sorriso largo.

Aceitei o desafio. Juntei as economias, ajeitei um pacto civilizado e arrastei minha esposa Kétina em mais uma de minhas aventuras. Como não sou besta, e prezo meu casamento, fiz uma opção que inclui o circuito de hotéis cinco estrelas em Havana e resorts de luxo nas límpidas e baladas praias de Varedo. Tudo muito competente e organizado. As valises da CubaTour, entregues no Brasil, são luxuosas e requintadas. Senti firmeza.

Ao chegar ao aeroporto de Havana, que susto, tive saudades do pardieiro que se vivencia em Goiânia. As cabines da imigração ainda preservam o estilo porta fechada em que os casais são proibidos de entrar juntos. Ali se amarga alguns minutos de constrangimento, quando não se enxerga o que aconteceu com a esposa que passou pelo crivo dos carimbos e saiu por uma porta que se tranca. Foi uma neura passageira. Deu tudo certo.

Na hora de pegar as malas é que foi o bicho. As bagagens, no duro, iam caiando compassadamente, uma por uma, a cada cinco ou dez minutos. Sabe-se lá o motivo. O fato é que demoramos horas para receber os quatro volumes. Um casal de ingleses, perto de ter um treco, ficava olhando dezenas de funcionários parados e ninguém sabia explicar coisa alguma. Muito simpáticos, sorriam com a gastura dos passageiros. Era Cuba. Dizer o que?

Após esse dissabor corriqueiro, o nosso agente esperava atencioso, com um veículo confortável e uma conversa generosa. As avenidas largas, sem lixo e trânsito fluente, sopraram um ar de férias com muito acerto. Afinal de contas, confirmou ele, o nosso hotel era uma das pérolas de Cuba. O majestoso Meliá, com seus três restaurantes requintados, e ao lado do Havana club, a mais badalada e tradicional casa noturna da cidade. Foi o começo de uma jornada capaz de misturar farsa, pobreza, luxo e glamour num só caldeirão. Nas próximas semanas conto o resto.