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segunda-feira, 4 de julho de 2011

Ao Carlos com saudades e carinho

Por mais de cinco anos um moço educado, tímido, de olhos claros, sorriso generoso e meticuloso nos detalhes, se prestou a servir água aos convidados, carregar cenários, ajustar cadeiras e entregar fichas com perguntas dos telespectadores. Como se fosse uma sombra imperceptível se transformou num dos mais confiáveis profissionais a atuar no meu programa televisivo “Opinião em Debate”, levado ao ar toda quinta-feira. Seu nome era Carlos, tão simples e caloroso quanto o seu estilo de vida.

Era um rapaz trabalhador, religioso, com fortes laços familiares, cujo sobrenome eu nunca me incomodei em saber. Lamento. Nas poucas ocasiões que frequentou minha residência, sempre acompanhado de sua charmosa namorada Camilla, manteve discreto refinamento, se oferecendo com sincera humildade a colaborar. Uma alma de pessoa admirada por todos.

Ninguém sabia dizer para que time ele torcia, se tinha preferências por algum segmento religioso, não falava palavrões, sequer sei dizer se ele ingeria bebidas alcoólicas. Comedido nos gestos e nas frases, evitava bolas divididas e nunca ofendeu ninguém. Carlos era exemplar. Sem altos e baixos, nunca teve o valor que merecia. Era apenas Carlos, sem padrinhos poderosos, sem influência política, pagava seus débitos em dia, nunca faltou ao trabalho e não era rico.

Refiro-me a ele no passado porque foi assassinado duas vezes. A primeira quando tentou – em vão – controlar seu automóvel popular, sem freio a disco, sem air bag, numa curva sofrível, com asfalto estragado, local célebre por acidentes diversos, e terminou com os miolos rachados num acidente em que faleceu o pai e a mãe que ele sempre honrou. Com apenas 27 anos, ele foi mais uma vítima dos irresponsáveis que transformaram as rodovias do país em armadilhas do horror.

Como se não bastasse uma morte tão estúpida de quem não merecia um fim trágico, Carlos – um trabalhador que viveu e sobreviveu sem ter quem o defendesse – foi assassinado novamente. Desta vez por um jornalista preguiçoso qualquer, encastelado num poderoso veículo de comunicação, e na ânsia de curtir o feriado prolongado, que lascou fotos e manchete com a seguinte informação: Alta velocidade provoca acidente em que morrem três pessoas da mesma família.

Mentira. O velocímetro comprova que ele estava abaixo do limite preconizado para o percurso. Uma de suas boas características pessoais era de ser cauteloso acima da média. Os amigos brincavam que era um porre realizar viagens com um motorista tão moderado no acelerador. Mas tudo bem, Carlos desculpa. Parece-me claro agora que ele sabia que estava no mundo de passagem.

Pairou acima dos cretinos de todos os matizes. Estou certo que perdoa os que contribuíram para ceifar sua vida e que está entre os espíritos que souberam aproveitar sua existência terrestre. Espero que possa compreender minha ignorância em não valorizá-lo quanto merecia. Só depois que ele se foi é que entendi o quanto o menino Carlos era diferente e importante. Um baita amigo silencioso cuja ausência é um grito de dor. Tanto para mim que tive o prazer de mantê-lo em minha equipe, quanto para os que ele soube cativar com singelas ações de amor.

Rosenwal Ferreira é Jornalista e Publicitário

Um comentário:

  1. Nossa Rosenwal... nunca vi ninguém escrever nada tão forte e sincero sobre alguém que se foi... Você está de parabéns. Saber valorizar as pessoas ao nosso lado é realmente algo que é para poucos. Abraços

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