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quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Lições no Asharam da Amma


Líder espiritual de milhões de pessoas ao redor do globo, a indiana Amma mantém templos, locais sagrados, orfanatos, casas que oferecem sopa, hospitais de medicina complementar e outras atividades filantrópicas que salvam almas e vidas humanas. O seu Asharam no sul da Índia se presta a uma excelente lição de humildade e cooperação. Ali, todos os serviços, com raras exceções, são realizados pelos próprios hóspedes. Ao chegar ao local, os visitantes são recebidos com sorrisos amigáveis, gestos de louvor, um colchonete rudimentar, um balde, uma caneca, dois travesseiros ordinários, vassoura e rodo. Esse conjunto de peças é o necessário para sobreviver num quarto limpo e desprovido de móveis.

Os mais exigentes podem conseguir um lençol de chitão alugado por três reais. Toalhas são desnecessárias porque o corpo seca segundos depois que se despeja a caneca de água no corpo. Água quente e chuveiro no estilo ocidental é uma regalia dispensável. Por incrível que pareça, esse ambiente monástico, onde ecoam o tempo todo cânticos e mantras, oferece uma sensação de agradável conforto. O aparente exagero na simplicidade é a primeira lição recebida.

Com todo o complexo controlado por computador, os administradores sabem exatamente quanto tempo os estrangeiros vão ficar alojados. No primeiro dia, eu e minha esposa Kétina fomos poupados das atividades voluntárias. Apenas cumprimos o puxado horário de acordar as 4h30 da madrugada, indo rezar em templos separados repetindo mil frases no complicado palavreado de louvor aos deuses.

No dia seguinte, um bilhete deixado na porta do quarto demandava nossa presença no escritório que orienta a “ceva’’. Fomos atendidos por um amável jovem suíço. Ao seu lado um quadro, escrito em inglês, com os seguintes dizeres: “Você deseja realizar serviços que são necessários ou apenas para atender seus interesses?”. Evidente que o recado surtia efeito. Ambos concordamos em realizar o que fosse necessário.

Fomos indicados a três funções distintas: primeiro, recebemos a tarefa de limpar dois quartos que acomodam quatro pessoas no anexo D destinado às famílias indianas. As instruções, passo a passo, davam ênfase na limpeza dos banheiros. No primeiro dos aposentos foi até fácil. Torcemos um pouco o nariz para as péssimas condições do vaso sanitário, mas tudo ficou em ordem em cerca de uma hora. No segundo local, certamente ocupado por gente mais porca do que o costume, foi um duro exercício de tapar nariz e segurar o escovão ao mesmo tempo. Na base da esperteza, deixei o banheiro por conta da minha mulher. Duas horas depois, tarefa cumprida.

No segundo dia nos foi indicado auxiliar na imensa cozinha na realização de massas de pizza. Não fossem o calor desértico, o odor do indiano e os cheiros fortes aos quais não estamos acostumados teria sido moleza. Tiramos de letra. A última tarefa, com certeza de propósito, foi para jogar na lona qualquer resquício de arrogância ou senso de classe social. Generosamente, fomos selecionados para a organização do lixão matinal.

Na essência, e junto com 12 voluntários de vários países, o serviço era dos mais simples: separar e ensacar todo o entulho colhido na tarde anterior. São toneladas de lixo jogados num cômodo, com direito a toda a fedentina, o caos, as baratas, fuligem e tranqueira. Só de olhar – e saber que o trabalho era deixar tudo limpo e acomodado para ser colhido – dava náuseas e vertigem. Um musculoso garotão holandês, chocado e assustado, começou a sentir tonteira. Foi orientado a respirar fundo. Respirar fundo!? Estais brincando...

Munidos de luvas em farrapos, aventais rústicos e espírito de equipe, fomos à luta. Por incrível que pareça, cerca de três horas depois, a montanha de detritos estava separada entre plásticos, vidros, papel, lixo orgânico e tranqueira sem definição. Imundos, suados, com o corpo dolorido e coçando, os participantes se abraçaram usando apenas sorriso e olhar orgulhosos. Sobrevivemos a uma experiência capaz de mudar concepções e provocar reflexões transcendentais. Para minha surpresa, muitos se dedicam ao nauseabundo trabalho por vários meses.

Ao lado das meditações, ensinamentos de boa conduta moral, da propagação da ampla ética humana, a ceva é a maior lição no Asharam da Amma. Na limpeza das latrinas, no sufoco das cozinhas, nos infames odores típicos de qualquer lixão, os seres humanos são todos iguais. A sensação de superioridade – tão nefasta ao progresso espiritual – é apenas uma ilusão que deve ser reavaliada. Evidente que ninguém vai sair do local e mudar de profissão. Entretanto, certamente que será tocado a valorizar e agradecer os prazeres de uma boa vida, deixando as agruras do cotidiano para outros irmãos realizarem. Contudo, tendo uma boa amostra de como certas ocupações são difíceis.

Rosenwal Ferreira é Jornalista e Publicitário

Um comentário:

  1. Meu amigo, que situação hein...! Já passei por situações que ponderei muito o ser, o estar, ponderado pela desvirtuosidade do querer. Não é bom, mas sairmos da zona de conforto e irmos à de crescimento moral e principalmente espiritual nos faz muito bem. Parabéns pelo artigo meu caro. Feedback total! Abraço.

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